Introdução
Contexto Jurídico e Social sobre Saúde
A Constituição Federal de 1988 prevê o direito à saúde como um direito de todos e um dever do Estado, devendo ser garantido mediante políticas sociais e econômicas. No entanto, a rede pública de saúde muitas vezes se mostra insuficiente para atender a todas as demandas, cabendo à rede privada, de forma subsidiária, suprir essas lacunas. Como resultado, muitos usuários buscam, com seus próprios recursos, serviços de saúde privados. A saúde suplementar desempenha um papel crucial, atuando de forma complementar por meio de prestações adquiridas pelos indivíduos com seus recursos financeiros.
Gestão de Conflitos e Inovação na Saúde
A gestão de conflitos na saúde é lidar eficazmente com as divergências que surgem entre diferentes partes envolvidas, como beneficiários, profissionais de saúde, prestadores de serviços e juizado. Tem como objetivo promover a cooperação, a comunicação aberta e a busca de soluções mutuamente benéficas, de modo a garantir a qualidade e a continuidade do atendimento, reduzir a judicialização e os custos associados, e aumentar a satisfação dos beneficiários e demais stakeholders no sistema de saúde. No tratamento de saúde suplementar, há uma exigência maior do usuário quanto aos prazos e qualidade da assistência, o que pode gerar expectativas para o uso completo do que for necessário no tratamento do seu quadro clínico, sem negativas e restrições do convênio. No entanto, a maioria das operadoras não conseguem atuar de forma estratégica para evitar a insatisfação dos usuários, gerando assim conflitos que podem evoluir para judicialização e, como consequência, aumento de custos. Além disto, a judicialização nem sempre traz a melhor prática clínica, o que não garante, desta forma, a melhor relação custo x benefício e sustentabilidade para o setor. Vale lembrar que existem desafios na implementação da inovação no setor de Saúde. Barreiras regulatórias, desigualdade de acesso, resistência cultural e organizacional são exemplos significativos.
Objetivo
O objetivo deste projeto é enfatizar o efeito positivo da implantação de uma célula de gestão de conflitos à frente de uma operadora de autogestão com mais de 480.000 beneficiários ativos, garantindo a qualidade da assistência e, consequentemente, a satisfação.
Metodologia
A pesquisa foi conduzida utilizando métodos qualitativos e quantitativos para fornecer uma análise abrangente sobre a implantação da gestão de conflitos na autogestão com mais de 480 mil vidas. A célula conta com um time de profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, assistente social), bem como profissionais da área administrativa e tecnológica. A inovação, além do processo de atuação e formação da equipe, conta com apoio tecnológico para definir os temas que caem para o Time tratar, gerando uma “fila de trabalho” para contato ativo e atuação do time. A coleta de dados ocorreu do período de janeiro a junho de 2024 (semestre) por meio de documentos e registros oficiais, assim como a utilização de ferramentas de Business Intelligence (BI) para análise de dados.
Os principais canais de entrada de demandas para tratamento pelos especialistas são:
● Guias avaliadas pela auditoria prévia: Itens solicitados na guia que se enquadram nos critérios do núcleo de antecipação de conflitos;
● Protocolos vindos do call center: Quando o beneficiário realiza contato mais de três vezes para tratar o mesmo assunto;
● Protocolos oriundos da ouvidoria, mídia, fornecedores de opinião e defensoria pública.
Todos os alertas e filas de trabalho da área de Gestão de Conflitos ocorre por meio de inovação tecnológica que direciona, no sistema de gestão, a atuação do Time.
O Núcleo Gestão de Conflitos gerencia demandas relacionadas à autorização e assistência aos beneficiários, assegurando suas necessidades assistenciais e resolvendo os conflitos considerando o melhor cenário. Dessa forma, busca garantir a satisfação dos beneficiários, avaliando cada impasse na solicitação de forma individualizada, a fim de evitar a ocorrência de judicialização. Macro processos da inovação na gestão deste processo:
- Recepção e Acolhimento: O Núcleo recepciona as demandas conforme critérios definidos e realiza o acolhimento inicial ao beneficiário. Este primeiro contato é fundamental para compreender as necessidades e expectativas dos usuários, estabelecendo um canal de comunicação aberto e transparente.
- Avaliação Técnica: As demandas são avaliadas tecnicamente, especialmente quando se trata de impasses de autorização, como itens sem cobertura ou sem critérios definidos pela autogestão. Demandas com pertinência técnica são encaminhadas para análise de excepcionalidade, garantindo que decisões sejam tomadas com base em critérios técnicos e justificados, além de ter uma avaliação do custo x benefício do referido caso.
- Interação com Médicos Assistentes: Em caso de dúvidas ou impasses, o Núcleo realiza contato com o médico assistente para buscar um consenso. Esta interação é crucial para alinhar expectativas e encontrar soluções viáveis que atendam às necessidades dos beneficiários, mantendo a qualidade da assistência.
- Compartilhamento com a operadora: Quando não há consenso, a demanda é compartilhada com operadora, permitindo uma avaliação mais abrangente e a busca por soluções colaborativas. Este processo assegura que todas as partes envolvidas estejam cientes das tratativas e possam contribuir para a resolução do conflito.
- Acompanhamento Contínuo: Ao longo das tratativas, novos acolhimentos são realizados para manter o beneficiário informado sobre os trâmites adotados. Este acompanhamento contínuo é essencial para garantir a transparência e a confiança no processo, reduzindo a ansiedade e a insatisfação dos usuários.
- Formalização de Autorizações: Após a finalização das tratativas, e não havendo mais pendências, a autorização é formalizada junto ao beneficiário e ao prestador. Este passo finaliza o processo de maneira clara e objetiva, assegurando que todas as partes estejam de acordo com a solução adotada.
Análise dos Resultados
A análise dos dados acumulados do período de janeiro a junho de 2024 revela um panorama abrangente das demandas e da eficácia na gestão de conflitos dentro da operadora. Recepcionamos um total de 1.131 casos, distribuídos da seguinte forma:
● 51,4% vem de beneficiários que ligaram mais de vezes para o call center para reclamar do mesmo tema;
● 23,1% de Ouvidoria, imprensa e equipe de gestão da Operadora;
● 8,8% de beneficiários contumazes em liminares;
● 16,7% de Outros Canais.
Dentre esses protocolos, 90,4% não evoluíram para liminar, refletindo na redução de novas judicializações.
A análise identificou que o principal motivador para a abertura de protocolos de excepcionalidade são as solicitações de medicamentos que não constam no rol de cobertura, ou com indicação fora da Nota Técnica, ou para uso off label, representando 44,4% das demandas atendidas. Esse dado evidencia a necessidade de um gerenciamento mais detalhado e criterioso dessas solicitações, buscando minimizar a insatisfação dos beneficiários e reduzir a judicialização. Além disso, possibilita a avaliação de incorporação com base em qualidade assistencial e custo da mesma para a autogestão.
Sobre dados de satisfação dos beneficiários em relação aos protocolos de excepcionalidade revela um cenário positivo. De um total de 261 solicitações recebidas, 74 não evoluíram para status de excepcionalidade ou liminar, enquanto 149 tiveram desfecho favorável. Estes resultados indicam que 85,4% dos protocolos atenderam às expectativas dos beneficiários. Este alto índice de resolução sublinha a eficiência e a capacidade da integradora e da operadora em responder adequadamente às necessidades específicas dos usuários, promovendo uma experiência positiva e reforçando a confiança no serviço de saúde suplementar oferecido.
O Núcleo de Gestão de Conflitos com sua atuação obteve neste primeiro semestre de 2024, uma saving de R$553.678,03 para a operadora, já considerando o custo da área e as autorizações geradas, otimizando assim os recursos sem comprometer a qualidade assistencial.
A taxa de resolutividade mensal mantém-se em uma média de 72,4%, indicando uma eficiência considerável no tratamento e resolução das demandas. Essa taxa reflete o compromisso contínuo da operadora em solucionar as questões apresentadas pelos beneficiários de maneira ágil e eficaz.
Conclusões
Com base nos dados apresentados e nas práticas implementadas pelo Núcleo de Gestão de Conflitos, conclui-se que a implantação de uma área com apoio técnico e humanizado, com a inovação de processos e uso de tecnologia para gerir de forma mais célere e eficiente às demandas dos beneficiários é essencial para garantir a qualidade da assistência e a satisfação dos beneficiários. A implementação de uma gestão de conflitos estruturada, aliada a processos inovadores e tecnológicos, mostrou-se fundamental para lidar com as demandas de saúde suplementar de maneira eficiente e satisfatória. O uso de canais de entrada definidos, avaliação técnica criteriosa e diálogo constante com beneficiários e médicos assistentes foram cruciais para a resolução dos conflitos. Além disso, o compartilhamento de informações com a Operadora e a formalização das autorizações contribuíram para um fluxo operacional
organizado e eficiente.
Em suma, a gestão de conflitos e a inovação no setor de saúde, quando bem implementadas, melhoram a qualidade da assistência, promovem a satisfação dos beneficiários e a eficiência operacional, evitando judicializações desnecessárias e reduzindo custos. O desafio contínuo é manter essa estrutura dinâmica e adaptável, sempre buscando melhorias e inovações para atender às necessidades diversificadas dos usuários. A contínua avaliação dos processos e adaptação às novas demandas são essenciais para manter a qualidade do serviço e evitar judicializações desnecessárias, contribuindo para a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar.