Você já imaginou se vivêssemos, daqui a dez anos, da mesma forma como vivíamos nos anos 60, 70 e 80? Houve conquistas importantíssimas nessas décadas, mas é difícil imaginar a volta de alguns hábitos.
Um exemplo são os carros. Em 1975, quando a indústria dos EUA começou a se adaptar aos efeitos da crise do petróleo, a média de consumo era de 6 km/litro. Em 2016, a média foi de 12,5 km/litro entre os carros vendidos naquele país.
E quanto ao uso de gases CFC em refrigeradores, sprays e aparelhos de ar-condicionado? Eles contribuíram para o dano à camada de ozônio e foram proibidos em 1987. Desde o ano 2000, o buraco sobre a Antártida teve uma redução de 4 milhões de metros quadrados (o equivalente a quase metade do território brasileiro).
Nesses dois casos, a mensuração das consequências da permanência de um modelo determinou mudanças. Essa transformação de modos sociais e econômicos é difícil — não por acaso, a discussão sobre o aquecimento global permanece acalorada.
Quando se trata dos indicadores de gestão de risco para operadoras e planos de saúde, lógica semelhante se aplica. Quais comportamentos podem ser abandonados para reduzir as ameaças ao negócio? Quais podem e devem ser adotados? Continue a leitura deste post para conferir as respostas para essas perguntas!
Quais fatores interferem no cálculo do risco?
Nos Estados Unidos, a forma mais comum de se referir ao pagamento regular para acessar procedimentos médicos é “seguro de saúde”. A história do mercado segurador deriva da ideia de prevenir riscos referentes à morte, acidentes de carro, patrimônio e cargas, por exemplo.
As empresas atuariam de forma a reduzir as ameaças de sinistro (a exemplo de um seguro condominial que exige um plano de prevenção a incêndios para o edifício), calcular e distribuir riscos entre uma comunidade ampliada de segurados.
No caso de um seguro de vida, o cálculo leva em conta as probabilidades aplicáveis ao indivíduo, considerando sua idade, histórico médico familiar e profissão, entre outras, para estimar a possibilidade de morte ou invalidez permanente, ou seja, eventos únicos na trajetória do segurado.
A assistência em saúde, por outro lado, raramente lida com eventos únicos. Chegar a uma equação que leve ao cálculo da contribuição necessária e possível por parte dos usuários, considerando frequência dos eventos, probabilidade de sinistros, estilo de vida, influências ambientais e genéticas, é uma tarefa que lida com alto grau de imponderabilidade.
E com alguns agravantes:
- maus hábitos que se perpetuam, como a epidemia de sedentarismo, stress e obesidade. Segundo a OMS, a projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso no mundo; e mais de 700 milhões, obesos.
- envelhecimento populacional, um fenômeno global. Até 2050, por exemplo, Austrália, China e a maior parte dos países europeus terão pelo menos um quarto de sua população com mais de 60 anos. O número de idosos no Brasil cresceu 50% em uma década (2007-2017), segundo o IBGE.
Cada beneficiário produz uma série de eventos custosos para aquela determinada comunidade que se reuniu no seguro ou plano de saúde. O objetivo de alcançar um envelhecimento saudável, que seria desejável tanto para o indivíduo quanto para o grupo que sustenta os possíveis custos dos agravos, muitas vezes, fica só no discurso.
É com isso que as operadoras de planos de saúde precisam lidar: sua carteira é formada por uma população cuja exposição ao risco vai aumentar continuamente. A dificuldade de lidar com essa característica tem vínculo profundo com os problemas de financiamento do setor.
Já pensou em fazer o que os outros não estão fazendo?
A exemplo das mudanças citadas nos carros, que precisaram se adaptar a um mundo com escassez de petróleo, é necessário pensar que a proporção de pessoas jovens entrantes nas carteiras de planos de saúde está desacelerando, enquanto cresce a porcentagem de idosos. A bolha demográfica da juventude na base da pirâmide etária já passou. Nessa perspectiva, aumentar os prêmios e taxas pagos pelos mais velhos será a solução para mitigar esse risco?
Não. O cerne da resposta está no estímulo à maturidade saudável. Como? Por meio de programas verdadeiros de promoção à saúde.
Os principais indicadores para a gestão de risco não podem considerar apenas as maneiras para oferecer mais exames, medicamentos e procedimentos para o diagnóstico e tratamento de enfermidades. Essa é a lógica do plano de doença e das grandes corporações farmacêuticas e de equipamentos médicos.
A lógica do plano de saúde deve ser a de rastrear as informações realmente relevantes sobre a sua carteira, realizar a gestão de dados eficaz e construir modelos para mitigar o risco de um envelhecimento desnecessariamente doente.
A palavra-chave aqui deve ser informação. É por meio dela que se consegue o engajamento não só do usuário, mas também da rede prestadora. A adoção da clareza no tratamento de indicadores — o índice de infecções hospitalares ou de investigações por fraude, por exemplo — gera condutas mais racionais.
No entanto, dados vitais para os planos de saúde estão, atualmente, fragmentados. Pense, por exemplo, na dificuldade de se implantar um prontuário eletrônico na saúde brasileira, que transformaria as informações clínicas de um indivíduo em um patrimônio pessoal inestimável e uma responsabilidade coletiva dos players do setor.
Em sistemas particionados, que não produzem informações de qualidade, são trabalhados apenas grandes números, que não viabilizam ações concretas e personalizadas. É necessário tratar, com urgência, o Homo sapiens sapiens como a espécie sofisticada que é, e não como um rebanho.
Como a tecnologia influencia os indicadores de gestão de risco?
Se o engajamento em torno da promoção da saúde depende de informações para entender quais estratégias — inclusive psicológicas — genuinamente estimulam a adoção de novos hábitos, é impossível ter sucesso nessa empreitada sem tecnologia.
Certamente você já leu e ouviu por aí estas expressões: inteligência artificial (machine learning, mais especialmente) e big data. É preciso ir além. Estamos falando de sistemas desenvolvidos com apoio em tudo que as palavras da moda proporcionam, mas, principalmente, desenvolvidos com envolvimento. Parceiros que entendam as dores do trabalho na saúde suplementar são raros.
Contudo, a partir do instante em que há esse comprometimento, é possível realizar uma triagem aprofundada do conjunto de usuários. O screening, feito de forma inteligente, aplicando realmente o potencial tecnológico e inserido em um plano de ação, tornará possível “clusterizar” as pessoas que compõem a carteira.
Cada grupo — por exemplo, aqueles acima do limite da circunferência abdominal desejada, aqueles que receberam um contador de passos e estão caminhando pouco — poderá fazer parte de um programa de promoção à saúde específico, que faça sentido dentro de sua realidade.
Depois disso, poderão ser definidos sistemas de recompensa, inclusive financeiras, para os beneficiários que estiverem adotando um conjunto de boas atitudes. Lembra-se do engajamento? Pois ele depende também da possibilidade de o usuário visualizar compensações imediatas, além dos benefícios futuros daquele hábito.
A lógica da recompensa deverá valer também para a rede credenciada, uma vez que há uma mudança de paradigma na atuação. Privilegiar o vínculo com o paciente, a transparência e os valores de uma equipe multidisciplinar deverá ser uma meta clara para os profissionais.
O fato de uma pessoa contratar um seguro de vida não faz alguém, em condições normais de temperatura e pressão, desejar a morte, ou seja, o famoso “pagou, tem que usar”. Da mesma forma, o fato de pagar um seguro ou plano não deveria ser motivo para querer usá-lo. O objetivo deveria ser levar a vida com o máximo de saúde. Promover o engajamento da carteira nesse raciocínio é fundamental para que a estratégia de gestão de risco faça sentido.
Em 2028, viveremos em um mundo muito diferente do que temos hoje. A velocidade das mudanças sociais e os impactos das tecnologias nos modos de viver tendem à aceleração constante. Portanto, se você esperava, neste conteúdo, a apresentação de métricas tradicionais (operacionais, legais, financeiras) como indicadores de gestão de risco, talvez ainda esteja tentando dar sobrevida a um sistema decadente e baseado nas décadas passadas, quando o envelhecimento populacional, por exemplo, não era uma realidade no Brasil.
Neste momento de singularidade e ruptura, vale mais o plano de saúde que, apoiado em gestão de dados e tecnologia, ofereça práticas de bem-estar e felicidade (que tal meditação ou musicoterapia?) do que o plano de doença.
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