Os custos elevados em saúde representam um grande problema no mercado brasileiro, que é um dos maiores mercados de saúde privada do mundo. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), muitas operadoras de planos de saúde possuem as despesas maiores que a arrecadação. Alguns trabalhos relacionados sugerem que a situação financeira ruim dessas operadoras está relacionada ao fato de muitas consultas e exames serem realizados de forma não apropriada, devido à falta de critérios médicos, erros ou até mesmo má fé, caracterizando uma forma de desperdício que deve ser evitada. Uma das maneiras de se combater o crescimento dos custos em saúde é por meio da redução do desperdício. No entanto, descobrir um comportamento associado ao desperdício não é fácil. Se imaginarmos o atendimento ambulatorial em um plano de saúde, que está associado à realização de consultas, exames e tratamentos, pode-se ter uma ideia do quão isso é difícil. Um plano de saúde normalmente possui uma quantidade de eventos ambulatoriais em um mês bastante elevado, o que impossibilita a análise sem o uso de ferramentas e técnicas automatizadas. Para exemplificar a dimensão envolvida, em um plano de saúde com 200 mil beneficiários, é comum que 40% da carteira realize consultas ambulatoriais em um mês. Cada consulta gera em média 4 (quatro) exames, totalizando assim 320 mil eventos em um mês. Como inferir desperdícios em 320.000 eventos? Torna-se fundamental o apoio da tecnologia para essa ação.
OBJETIVOS
Este trabalho apresenta uma ideia inovadora para se abordar o desperdício. Ao invés de se analisar eventos individualmente, procura-se analisar o cenário geral, focando naqueles que são os responsáveis diretos pelos eventos. A partir disso, os comportamentos dos geradores de eventos são identificados, capturados e expostos a cada um dos atores envolvidos no processo, incluindo os próprios geradores de eventos, comparando-os com os demais atores em uma mesma situação. Isso gera uma consciência ampliada que é constantemente exposta e lembrada para cada um dos envolvidos, via feedback imediato, gerando assim um efeito de manada, em que os geradores de eventos com comportamento diferenciado, ficarão tendenciosos a mudarem de comportamento e com isso não serem notados no meio da multidão.
MÉTODOS
A metodologia ligada a este trabalho é composta pelos seguintes passos:
1) Definição dos alvos de acompanhamento: é preciso detalhar quem e o quê será acompanhado. Para o exemplo de planos de saúde, foram definidos os médicos solicitantes de itens assistenciais como alvos de acompanhamento, justamente com os exames/procedimentos/tratamentos que podem ser solicitados no atendimento ambulatorial. A definição pode ser variável conforme seja o caso em tela.
2) Geração de indicadores de comportamento dos alvos: foram definidos diversos indicadores para acompanhamento, alguns genéricos, como por exemplo, média de exames por consulta, bem como indicadores específicos de áreas, como por exemplo, média de ressonâncias por consulta de ortopedia.
3) Identificação de outliers: com base nos indicadores definidos, foi realizado uma varredura nos comportamentos para se identificar membros bastantes diferentes dos grupos. Essa identificação serve para demonstrar a presença desses indivíduos, assim como ajuda no estabelecimento dos comportamentos desejados.
4) Definição de comportamentos desejados: uma vez de posse dos comportamentos existentes e dos elementos fora da curva de comportamento médio, deve-se projetar um comportamento padrão que estimule a convergência dos demais médicos a um valor desejado. Os valores devem estar alinhados com a estratégia da organização e com fatores externos de apoio, como dados de órgão nacionais e mundiais.
5) Monitoramento dos comportamentos: deve- se realizar o acompanhamento diário dos indicadores, identificando desvios. Isso deve ser feito de forma automática e em tempo real.
6) Atuação nos prováveis desvios de comportamentos: em casos de desvio, deve-se analisar os eventos associados, visando identificar padrões de comportamento e eventualmente analisar os eventos de forma mais aprofundada. Os atores envolvidos necessitam de feedback para entenderem sua situação de forma mais aprofundada e eventualmente direcionaram seu comportamento para o esperado. Alternativamente, pode-se descobrir a necessidade de comportamentos específicos para certos médicos, que possuem atendimentos a certos grupos de beneficiários que justifiquem a existência de comportamentos diferenciados.
CONCLUSÕES
A metodologia de controle baseada em comportamentos foi aplicada a uma autogestão pública que possui cerca de 190 mil beneficiários. Durante o último ano, o plano realizou aproximadamente 350 mil consultas e 882 mil exames. No início do referido ano percebeu-se que os atendimentos (consultas e exames) relativos à especialidade Oftalmologia estavam acima do esperado. Nesse contexto, a metodologia foi aplicada como alternativa para controlar esses gastos. Foram utilizados três indicadores para o estudo: Valor de Exames (VE), Valor de Consultas (VC) e Média de Exames por Consulta (MEC). No levantamento realizado no início do ano, foram identificados 68 médicos oftalmologistas, que realizaram 4.236 consultas e 5.819 exames, contabilizando uma média de 1,37 exames por consulta (MEC) para a especialidade Oftalmologia. De todos os médicos oftalmologistas, 21 deles tiveram o valor do indicador MEC maior que o calculado para a especialidade, indicando que o comportamento desses médicos, no que diz respeito a quantidade de exames solicitados a partir de uma consulta é diferente dos demais oftalmologistas. Esse comportamento diferenciado pode ser decorrente de más práticas para aumentar os lucros pessoais (gerando prejuízos para o plano de saúde), conhecimentos desatualizados das melhores práticas médicas ou de características
particulares dos beneficiários atendidos, indicando que os médicos em questão atendem mais beneficiários com algum problema específico e que exigem tratamentos mais aprofundados. Com base nessas informações, a metodologia foi aplicada seguindo as seguintes ações:
1) estabelecimento de um limite para o valor do indicador MEC (média de exames por consulta) e posterior acompanhamento da
situação de cada médico com relação ao limite estabelecido;
2) caso um médico ultrapassasse esse limite, mensagens (e-mail e SMS) eram enviadas para comunicá-lo que seu comportamento estava se distanciando da média de todos os outros oftalmologistas, tudo isso configurado na ferramenta de apoio ao método e executado de forma automática. As ações descritas acima entraram em vigor no segundo semestre e após 6 meses de uso da metodologia, uma nova coleta de dados foi executada. Os resultados obtidos foram a redução dos valores dos indicadores VE, VC e MEC, comparando-se os períodos de janeiro a junho do ano (antes das ações entrarem em vigor) e julho a dezembro do mesmo ano (após o início das ações descritas anteriormente entrarem em vigor). Sobre a redução do valor do indicador MEC (Média de Exames por Consulta), relativa à especialidade, observou-se uma variação no valor de 1,37 para 0,98. Ao analisar individualmente esse indicador para cada médico, observou-se que o desvio padrão dos valores também diminuiu: variou de 0,92 (janeiro a junho) para 0.56 (julho a dezembro). Isso significa uma redução da
ordem de 40% do indicador. Esta redução no desvio padrão indica que o comportamento dos médicos medido por esse indicador se tornou mais uniforme. Os resultados obtidos exprimem uma mudança de comportamento. Analisando fatores epidemiológicos na região, não foi encontrado nada que pudesse levar a tal diminuição. Assim, acredita-se que essa mudança aconteceu por conta das intervenções impostas pela implantação da metodologia no plano de saúde.